Se o filósofo é na verdade o amigo da sabedoria e não necessariamente o sábio, qual seria a posição dele na era líquida e metamoderna em que vivemos hoje?
Um levantamento de peso com os braços visa machucar as fibras musculares para que elas se regenerem com mais massa muscular, força e saúde. Assim é o exercício da filosofia, cujo o objetivo é desenvolver o alcance do nosso raciocínio crítico através de questionamentos de maneira que se expanda a flexibilidade da nossa razão e entendimento sobre as coisas. Como o machucar do músculo, o exercício da filosofia também envolve um certo tipo de dor que se difere da dor física, pois evoluir o nosso conhecimento acerca daquilo que nos rodeia acaba por nos distanciar de muitas coisas que as vezes acabam por demonstrar uma superficialidade visível apenas aos olhos do filósofo, isso em consequência, acaba por gerar uma dor abstrata mais similar à da solidão.
Mas da mesma maneira que o atleta com um porte físico em dia é capaz de perseverar em uma competição através do seu treino e disciplina, o filósofo também é capaz de se destacar em diferentes vertentes da vida, mas é justamente isso que requer discernimento e compaixão por parte daquele que se considera pensador, pois com um treinamento em dia, o filósofo se equipa com um conhecimento que pode ser usado para sua vantagem mas antes, entende fundamentalmente que uma arma, ou um músculo, jamais deve ser usado com o intuito de atacar, mas sim de se defender e proteger.
Novos Tempos
Pois em uma modernidade líquida onde a quantidade é valorizada acima da qualidade, não só os bens de consumo mas também as relações humanas se tornam obsoletas rapidamente e como consequência, se perde a capacidade de se aprofundar no poder da colaboração e do companheirismo humano por ser dificil confiar na constância moral das pessoas. Distanciando assim, almas humanas que representando universos inteiros com suas particularidades, são capazes de criar novos mundos através da colaboração.
A consequência de um contexto individualista, frio e superficial como esse, é uma inversão insustentável de valores morais, princípios e virtudes que sempre foram essenciais para a progressão da evolução humana, então, o filósofo metamoderno, como um atleta que treina com afinco seu discernimento moral, se coloca em uma posição de vantagem que deve ser usada com o principal e nobre objetivo de unir aquilo que está separado.
Essa abordagem se difere fundamentalmente daquilo que representa a filosofia pós-moderna, que como o nihilismo, utilizava dessa dor oriunda do exercício filosófico para se distânciar mais ainda de outras almas pensantes visando uma busca de poder e controle para preencher uma falta de identificação alheia que acabava por resultar em amargor, tristeza e muitos outros sentimentos negativos. Não seria um perfeito exemplo disso Nietzsche? Que em sua busca pela verdade acabou por argumentar a morte de Deus, criticar religiões, desconstruir valores morais e apontar o individualismo como a solução paradoxal de uma vida em sociedade?
De Volta à Infância
Então, se devemos exercitar o pensamento para que possamos nos equipar com os argumentos capazes de gerar amor e unir aquilo que foi separado, Imaginemos a vida como uma profunda caixa de brinquedos de lego, onde infinitas peças, de cores e formas diferentes, conseguem se encaixar compativelmente dando assim a possibilidade de se construir qualquer sonho que antes nasce no perfeito mundo das ideias que habita na dimensão de nossa mente.
Como na cabeça de uma criança que ainda trilha o começo da longa jornada de se conhecer o que o mundo tem a oferecer, devemos antes separar tudo aquilo que é pertinente aos nossos sentidos (aquilo que é visível aos olhos, agarrável às mãos, saboreável na boca…) e aquilo que de acordo com Platão, representa uma realidade abstrata, intocável e perfeita, sendo essa, o mundo das ideias! Esse é o mundo imutável e eterno onde nasce e habita a singular capacidade humana de explorar o extraordinário, por que será sempre justamente aquilo que é extraordinário, capaz de acender uma chama nos corações que não batem como antes.
Da mesma maneira que a criança, ao abrir a caixa de lego, percebe que ela pode montar as peças de qualquer maneira que ela imaginar e criar absolutamente qualquer brinquedo, o filósofo navega pelo mundo das ideias no perfeito processo de se maravilhar por cada pequeno detalhe da vida, observando e admirando a maneira como as coisas funcionam e questionando como seria se porventura, fossem diferentes?
Então, na posição de uma criança com uma caixa contendo infinitas peças de lego em sua frente, o filósofo metamoderno abraça o mundo de maneira leve e pura por entender que estar vivo e ter a capacidade de pensar é simplesmente o melhor presente que ele poderia receber e se sentindo grato, é justamente esse presente que ele vai valorizar e explorar com o intuito de não só encontrar diferentes perspectivas, mas principalmente de encontrar novas maneiras de unir essas peças que foram criadas com o objetivo de funcionarem na mais perfeita combinação!
Conclusão
O filósofo metamoderno não vai se separar das outras peças de lego pois entende que como David Hume ensinou em sua “Lei de Hume”, não se pode deduzir o que deveria do que é. Ou seja, uma afirmação como “Isso é“, se difere de uma hipótese mais natural como “Isso deve ser” por respeitar a ideia de que o conceito de verdade será sempre particular para cada um e impede o pensador de impor sua maneira de pensar na mesma medida que respeita a subjetividade alheia, visto que como ensinou Sócrates na sua máxima filosófica, devemos sempre e à todo custo afirmar que de nada sabemos pois negar isso seria a mesma coisa que afirmar que já descobrimos todas as peças dentro da infinita e divertida caixa de legos.